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Maria de Lourdes Soares

Maria Lourdes Rego Soares“….tu és uma pessoa especial, não vás tão depressa…!!!”

Foram estas as palavras proferidas, um dia, por um adulto, portador de deficiência, ao abordar-me.
Depois de longos meses de dores, infeções e inflamações, com alguns pseudo diagnósticos, eis que é chegada a notícia AR artrite reumatoide-; de reumatismo só sabia que era uma doença dos velhos, nada mais, e eu de velha nada tinha ah ah ah!. Estou eu num consultório médico privado, porque o público não estava a responder aos pedidos de marcação e a primeira questão era o que faço agora!!?!! Fico assustada com os extremos para o futuro e saio com prescrição médica agressiva de corticoides, AINEs e com a auto estima donwn com o pouco calor humano no atendimento por parte do Médico, apesar de em Clinica privada!!!.
Procuro a Médica de Família, vou com todos os exames, numa mochila cheia de nada, mas precisava de respostas e perspetivas positivas. O cenário foi bem melhor e o diálogo entre profissional de saúde e utente esteve à altura do pretendido, apesar de limitado por não ser um especialista em AR. Recomendou-me, por escrito, para o Hospital Público e fiquei a aguardar por consulta no SNS, porque eu necessitava saber “qual era o bilhete que me tinha saído na rifa”.
As perguntas e respostas todas necessárias para uma primeira abordagem de consulta de reumatologia foram-se desenrolando e a reconfirmação do diagnóstico foi perentória.
Começo por me apresentar, porque percebi, pela comunicação não verbal da Médica, que o poderia fazer, porque essencialmente queria que me minimizassem os tabus da Artrite Reumatoide. Então, aqui estou como mulher a fazer o meu autorretrato, contribuindo, se assim o entender, para uma melhor aceitação de um diagnóstico eterno. Na minha condição de mulher nunca escolhi tarefas a desempenhar, como bancária de profissão sempre fui muito ativa em todas as situações, mulher de acudir a circunstâncias prementes, em alerta constante ás necessidades dos outros e continuadamente fui uma mulher cuidada, uma mulher de saltos altos, mãe por inteiro e atenta ao bem-estar e à aparência. Aos 50 anos de idade estava na menopausa declarada por histerectomia parcial. Em novembro de 2015 passei á situação de pré-reforma com 54 anos e logo em dezembro estava num estado deplorável. Não me reconhecia, tinha perdido a alegria, o prazer das coisas e das ações. Associei o meu estado de saúde à menopausa, à não aceitação de não estar no ativo profissionalmente. Ora, desenvolvi um processo inflamatório galopante que me limitava de tudo. Em junho de 2016 outra crise aguda e em agosto as análises imunológicas revelam Artrite Reumatóide AR seropositiva. Em outubro começo com Metotrexato gradualmente até á toma máxima de dez comprimidos num dia em cada semana e até hoje. Em abril de 2017 dou início ao tratamento biológico. Ora, isto para dizer que o diagnóstico de uma doença crónica como a AR, traz consigo a perda da condição de “saudável”, para uma condição de “doente ou de paciente ou utente como o queiram chamar”. O peso emocional que se recebe com este diagnóstico é muito grande e doloroso, pois acarreta uma mudança drástica na nossa vida e até nos nossos planos e sonhos. Emocionalmente ficamos sem remos, porque a doença passa a ser mais um matrimónio com o qual temos que conviver diariamente ao longo da vida afetando assim o nosso convívio familiar e social, mas sem naufragar. Muitas vezes, por não sermos compreendidas, somos rotuladas, seladas ou colocam-nos nas mãos uma bandeira de manhosas, de mentirosas e de armarmo-nos em vítima. Alguns acreditam que estamos inventando ou dramatizando a situação para não fazermos algo, outros falam que é impossível, que com o nosso aspeto e atitudes estarmos sempre com dor, ou então, que nos vitimizámos por tudo e por nada. Este diagnóstico obrigou-me a redefinir prioridades e a adaptar-me a uma nova vida, com condicionantes que afetam o meu dia a dia e que me impedem de saborear em pleno gozo alguns prazeres do meu ego e não me deixando aniquilar pela doença. Bem pelo contrário, enfrento-a e aprendi a viver com ela na melhor figura dum jogo de xadrez.
Atentamente a Médica foi ouvindo e registando na ficha a cronologia dos factos e logo percebi que tinha uma profissional eficiente e que me queria ouvir.
Todavia, existe no meu entender uma condição imperativa muito importante a seguir: - acreditar na Medicina, esperar que no futuro outras profilaxias sejam descobertas e mais ainda confiar até aos píncaros no nosso Médico, seguir com rigor a medicação prescrita, ser vigilante às reações e, fundamentalmente ter uma boa comunicação de ambas as partes e a aceitação da incapacidade. Admito também que, a partir do momento em que assumi que tinha menos aptidão do que outras pessoas, foi muito mais fácil. Como passei a saber desfrutar de todos os momentos em que me sinto melhor, valorizei-os. Por exemplo tenho muitas saudades dos meus sapatos pontiagudos de saltos altos, das minhas toiletes que já não consigo vestir, das minhas aulas de zumba, de fazer crochet ou tricot, de tratar do jardim, de tratar da casa e até de ter o meu necessaire vazio de tablets de comprimidos, mas em troca vou fazendo outras terapias vou ajudando aqueles que precisam de mim e hoje vejo a vida com outros olhos. Sempre tive uma costela de heroína, lutadora até á exaustão e fui tendo algumas batalhas conquistadas, contrariando a vitimização dou graças pelo troféu da vitória.
Os tratamentos têm-me dado ânimo, alento para não baixar braços, ainda não me dei por vencida, estou sempre sedenta e recetiva em aproveitar ao máximo tudo o que possa melhorar a minha condição física, porque a realidade é nua e crua esta é uma doença degenerativa e não tem cura, tenho a plena consciência do que me foi transmitido e dos riscos advertidos, mas com determinação agarro com ambas as mãos tudo o que a medicina me pode oferecer.
Contudo não teria chegado até esta fase sem a persistência, insistência, cuidado, atenção, empenho, interesse e comunicação da minha Médica, seguindo à risca o que me diz, eu ia reclamando da agressividade da medicação e ela em troca alegando os atributos da recuperação duma melhor qualidade de vida por alguns anos. Fico eternamente grata ao seu comportamento e profissionalismo. Ganhei uma confidente, uma psicóloga, uma amiga para o resto da minha vida, uma profissional de excelência muito humana e preocupada com os seus doentes, porque ela sai da sua zona de conforto e senta-se na cadeira do doente.
Afinal, o aqui citado na primeira linha deste trabalho “….tu és uma pessoa especial, não vás tão depressa…!!!” depois, mais tarde descobri que era um Médico que tinha sofrido um grave acidente e que estava comunicando da melhor forma comigo o que não souberam comunicar com ele.
Por último, muito obrigada por esta oportunidade, eu sou especial por ter uma profissional de saúde, especial, a cuidar de mim.
E tu?! Luta para que sejas levado a sério pelo teu médico, afinal, há estudos que indicam que “…doentes satisfeitos melhoram mais depressa”.

Maria de Lourdes do Rego Soares, 2022
61 anos, Artrite Reumatoide