Ricardo Gervaia
O meu nome é Ricardo, tenho 41 anos e uma vasta experiência pessoal e de relação com a osteogénese imperfeita, doença associada à fragilidade óssea. Sou portador da doença, felizmente de grau 1, pois é o mais ligeiro, mas não menos desafiante e impactante ao longo destes 41 anos.
Desde que me lembro, tive a minha primeira fratura, com os meus 3 / 4 anos de idade, ao fraturar o fémur, levando ao engessamento da perna. Logo em tenra idade e sendo posto à prova, com uma perna engessada, continuei no modo brincadeira, a andar de triciclo, pedalando, dentro dos possíveis com vigor e alegria que uma criança nessa idade deve ter. Com o decorrer do tempo, foram aparecendo outras fraturas, pois esta mesma alegria e desinibição de ser criança e ser feliz, mostravam o reverso da medalha e brindavam-me com gesso, algumas entorses, maioritariamente adquiridas a jogar futebol. Cheguei a participar em torneios de futebol na escola, revelando ser um verdadeiro ponta de lança com cheiro de golo, diria mesmo um Cristiano Ronaldo, mas com fragilidade óssea, mas apenas e só isso! Fiz atletismo entre os meus 7 / 10 anos, uma referência para a Rosa Mota, ou pelo menos se ela me conhecesse na altura, assim o seria, tendo ganho algumas medalhas e taças. Cheguei inclusive a receber um convite para ingressar a modalidade, no Sporting Clube de Portugal, a qual não foi possível pela dificuldade de deslocação aos treinos. Nada me demovia de continuar a ser feliz, de brincar, pular, descer escorregas, saltar muros, fazer verdadeiras voltas de bicicleta, dignas igualmente de um profissional de ciclismo. A doença era desconhecida pelo que não havia restrições a nível escolar, pois sendo eu uma criança com energia para dar e vender, a questão de haver uma patologia nunca se colocou.
Por volta dos 11/12 anos, o destino assim o quis e deu-me a conhecer a Dra. Graça, médica de serviço na Urgência do Hospital de Santa Maria. Numa ida à urgência, o quadro clínico dizia aquilo que já estava à espera, uma fratura no ombro. A Dra. Graça, olhou-me nos olhos e detetou logo a esclerótica azul, denunciando aquilo que hoje sei, mas na altura era uma novidade e desconhecimento total. Comecei um tratamento intravenoso, que exigia ficar internado durante 3 dias a cada 6 meses. Assim o fiz, a muito custo, pois apesar de ser uma criança aparentemente feliz, desafiadora e aberta ao desafio, era igualmente inseguro e com medo do desconhecido. Foram 3 anos difíceis, muitas noites sozinho no hospital, muita lágrima derramada, um ano letivo perdido por ausência escolar, mas valeu cada minuto do tratamento. A partir dos meus 15 anos, sensivelmente, notei melhorias significativas, pus o meu corpo à prova em muitas situações e surpreendentemente, sem uma única fratura durante os 20 anos que daí decorreram. Este intervalo, que correspondeu a uma vida, foi sem dúvida o que mais me marcou, porque senti-me desinibido e confiante em abraçar os desafios que me foram aparecendo.
Aos 35 anos sou brindado com um casamento, lindo e maravilhoso, nas Ilhas Canárias, só eu e a minha mais que tudo. A felicidade imperava na minha vida, naquele momento, não podia pedir mais, mas a 15 de janeiro de 2018, farta de estar escondida, a doença decide manifestar-se, fiz uma nova fratura e novo tratamento. Mas o destino encarregou-se de me dizer, que “há males que vêm por bem” e no meio de tanta tristeza recebo a notícia que ambicionava desde que me conheço como gente. O meu primeiro primogénito estava a caminho. A felicidade foi tanta que me fez esquecer completamente a doença, mas por pouco tempo, pois surgiu a hipótese de o meu primeiro filho ser portador de OI. O cenário era muito idêntico ao do jogo “quem quer ser milionário”, são 50/50 hipóteses de ser portador. A Maria Clara, é assim que se chama a minha princesa, detentora do título de 1º Filho, nasceu, sem evidencias de OI, mas era inevitável a realização de um teste genético. O resultado tardou, mas chegou, a 13 de maio de 2019, curiosamente no dia de aparição da nossa Sra. de Fátima, não sendo portadora da doença.
Em 2023, Deus quis-me brindar com um novo desafio, o nosso 2º Filho. Mais uma vez, uma gravidez seguida em Santa Maria, pois há todo um historial que o hospital conhece e em caso positivo da doença, é lá que tem de ser acompanhada. Foi uma gestação cuidada e vigiada, um acompanhamento por parte da equipa de Santa Maria exímio e digno de um Óscar. Após algumas semanas e na realização de uma ecografia de rotina, chega-nos o resultado da genética, onde o nosso Segundo filho herdava uma herança pesada do pai e era portador de OI.
Chegou a altura de conhecermos o José Pedro. Este é o nome do príncipe herdeiro da OI. Estamos em novembro de 2023, a unidade de obstétrica de Santa Maria está encerrada para obras, temos indicação que o parto será realizado em São Francisco Xavier, mas existe o caos instaurado nas urgências por falta de profissionais e todo este processo, foi dos maiores desafios da nossa vida, pois por um lado temos um bebé que terá de ter todos os cuidados no seu nascimento por ter uma fragilidade óssea, por outro a incerteza de haver uma equipa disponível e capaz de realizar um parto com todos os cuidados que isso implica. Por fim uma família insegura e cheia de medos do que aí vem. Graças a Deus correu tudo bem e o nosso príncipe nasceu de cesariana, sem fraturas e assim se mantém até aos dias hoje. Felizmente, somos seguidos na unidade de genética de Santa Maria pelo Dr. André Travessa, o qual nos dá um suporte fantástico. Temos também a felicidade de ter uma médica de família/pediatra fantástica que nos acolhe e atende sempre que necessitamos. Mas há um longo caminho a percorrer no que toca a doenças reumáticas, crónicas ou genéticas. Sentimos o sistema nacional de saúde muito subcarregado e sem capacidade de resposta para tanto utente. Isto leva a deterioração dos serviços e por consequente a não resposta aos utentes. Se sentimos na pele estas falhas?! Em parte, sim, o nosso segundo filho é seguido em Santa Maria e principalmente na Estefânia, esta última com tempos de espera muito acima do normal, em consultas de rotina, levando-nos muitas vezes a recorrer ao privado, principalmente em questões de urgência pediátrica.
Em termos de ensino, eu, enquanto estudante nunca senti dificuldades, muito por culpa do desconhecido da doença na altura. Com o meu filho portador de OI, com apenas 9 meses e inscrição em vários estabelecimentos de ensino, apenas um o aceitou. Em termos de empregabilidade, eu trabalho numa entidade pública, pelo que é mais fácil a integração de pessoas com limitações físicas ou motoras, algo muito aquém no setor privado, por onde já passei e verifiquei essa necessidade de melhoria. Penso ser importante haver um acompanhamento em tenra idade, nomeadamente em termos escolares e a criação de um incentivo profissional, para as entidades empregadoras recrutarem pessoas enquadradas neste âmbito, algo que tenho esperança que melhore.
Ricardo Gervaia, 2024
41 anos, Osteogénese Imperfeita
Sou casado e tenho 2 filhos.
Sou natural de Lisboa, cidade onde resido atualmente, mais precisamente na freguesia de Santa Maria dos Olivais.
Trabalho como assistente técnico na empresa Gebalis e nos tempos livres sou músico.
Tive conhecimento do prémio Edgar Stene através da APOI, onde sou membro. Decidi participar, para dar a conhecer a minha história de vida e o percurso da Doença que tenho e de que forma teve impacto naquilo que sou atualmente.
(texto conforme o original)