“Como se trata hoje a Osteoartrose”
Tratar hoje a Osteoartrose (OA) significa tratar uma entidade clínica que sofreu nos últimos anos algumas evoluções relevantes no seu entendimento e conhecimento que modificaram de forma significativa a sua abordagem clínica e terapêutica, e, como corolário destas, a sua morbilidade e o seu impacto económico e social.
A OA é hoje entendida não como uma doença unívoca na sua definição e apresentação, mas antes como uma forma de apresentação comum de entidades distintas a nível da articulação. Neste sentido a OA deverá ser assumida mais como uma síndrome, com características clínicas comuns, e com formas semelhantes de abordagem clínica.A OA deve ser encarada como uma doença global da articulação e não apenas como uma doença da cartilagem; a compreensão de que para o aparecimento, expressão sintomática e evolução da OA contribuem múltiplas estruturas articulares (cartilagem, osso subcondral, membrana sinovial, estruturas menisco-ligamentares intra-articulares, cápsula articulares, tendões e outras partes moles periarticulares, músculos, …) permitiu aumentar o leque das opções disponíveis para a sua abordagem terapêutica específica e ajustada a cada caso.
A OA deve ser sempre vista como uma doença com um contínuo de apresentações clínicas, desde fases precoces e incipientes em que predomina a inflamação sinovial e alterações microscópicas a nível ósseo e da cartilagem, até fases finais da sua evolução, com alterações destrutivas de todas as estruturas articulares, conduzindo a dor e incapacidade impossíveis de resolver com terapêutica farmacológica. A compreensão e identificação da fase evolutiva em que a OA se encontra permitirá ajustar em cada momento as melhores opções terapêuticas para essa situação, que poderão incluir a adopção de terapêuticas que modifiquem a evolução da doença (fases precoces), de terapêuticas que controlem a sua expressão sintomática de dor e/ou inflamação (fases intermédias) ou simplesmente a paliação da dor em situações “terminais” de indicação cirúrgica formal.
A OA era considerada até há poucos anos como uma “fatalidade” inexorável, muitas vezes ligada ao envelhecimento. De facto envelhecimento da cartilagem e doença OA são coisas bem distintas, e nos últimos anos evoluiu-se de forma notável no conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos pormenorizados que contribuem para o aparecimento e evolução da OA. A identificação dos processos microscópicos e patológicos implicados na expressão e progressão da doença permitiu definir alvos terapêuticos específicos que serão decerto promissoras opções terapêuticas de futuro
Encarada com estes considerandos nunca se poderá falar de terapêutica da OA mas sim da terapêutica de cada doente com OA, em cada fase do processo evolutivo da sua doença.
Esquematicamente, poderemos considerar seis vectores primordiais na terapêutica da OA:
1. Tratar a dor
A dor deverá ser encarada em todas as doenças reumáticas como um “incêndio” que urge tratar de imediato, precocemente, globalmente e de forma eficaz. A OA não é excepção, e nesta situação deveremos providenciar ao doentes as melhores opções terapêuticas disponíveis para tratar o seu quadro doloroso, independentemente de todas as investigações desencadeadas para identificar a causa ou causas mais específicas de dor em cada doente particular, e da sua tentativa de abordagem concreta e direccionada.
Interessa porém perceber em que fase da doença osteoartrósica o doente se encontra, para melhor se adaptar a intervenção terapêutica analgésica em cada situação. Assim, um doente com uma OA em fase de grande destruição articular, com dores de ritmo mecânico (ausentes de noite, melhorando com o repouso e agravando-se com carga e utilização mantida da articulação lesada) deverá ser medicado com analgésicos puros ou suas associações; pelo contrário, num doente em fases mais precoces da doença, com presença de sinais inflamatórios articulares ou de dor de ritmo inflamatório (desencadeamento nocturno, agravamento matinal e após imobilizações prolongadas, e melhoria com mobilização suave e mantida da articulação lesada) deve-se preferir a utilização de AINES, que para além da sua eficácia analgésica apresentam uma acção específica no controle da inflamação subjacente ao processo patogénico doloroso, que para além de mais fisiológica e eficaz no controlo da dor, poderá ainda contribuir para uma modificação do processo patogénico da OA. Não esquecer neste doentes a quem se pretende introduzir um AINE que todos eles apresentam um risco cardiovascular potencial (que nos obriga a identificar e tratar em cada doente individual os factores de risco cardiovascular presentes) e que se deve em cada doente avaliar os seus factores de risco gastrointestinais, que quando presentes implicam a associação com protecção GI alta com IBP ou a escolha isolada de um coxibe.
2. Identificar e tratar causas específicas de dor
Para além do tratamento inespecífico da dor (que como vimos, em fases iniciais da doença até poderá contribuir para modificar a evolução da doença) existem situações em que a identificação e correcção de situações particulares poderá implicar um alívio sintomático adicional e uma potencial intervenção na progressão patogénica da doença:
- derrame articular por surto de degradação da cartilagem – repouso, aspiração de liquido articular com agulha e eventual infiltração intra-articular de corticóides;
- periartrites (inflamações fora da articulação, em estruturas à volta da articulação – tendões, bolsas, ligamentos) – infiltração local com corticóide, aplicação local de tópicos (cremes ou pomadas) ou medidas locais de Medicina Física e de Reabilitação (MFR);
- lesão das partes moles intra-articulares (lesões menisco-ligamentares) – terapêutica sintomática, imobilização com ortóteses (talas), medidas de MFR, artroscopia diagnóstica e terapêutica;
- instabilidade articular – colocação de ortótese de estabilização;
- alterações do eixo articular (valgismo ou varismo) – ortóteses, medidas de MFR visando a tonificação muscular, cirurgia de osteotomia para alinhamento articular;
- atrofia muscular peri-articular – exercício e medidas de MFR para tonificação e reforço muscular e para melhoria da percepção proprioceptiva.
3. Prevenir a progressão da doença
Existem um conjunto de substâncias cuja utilização tem sido associada não só a uma melhoria da intensidade da expressão sintomática da doença, mas sobretudo a um retardar da evolução da doença, reduzindo a degradação estrutural da OA (nomeadamente a diminuição da interlinha articular – marca indirecta da espessura da cartilagem) e modificando o número de casos evoluindo para prótese total articular (marca de destruição final e irreparável da articulação).
Estes fármacos, globalmente designados por “Condroprotectores”, apresentam evidências muito distintas da sua propriedade “modificadora da evolução da doença”, valendo a pena avaliar para cada um deles as demonstrações efectivas desta acção terapêutica.
Os fármacos potencialmente “condroprotectores” disponíveis para utilização entre nós são:
- sulfato de glucosamina; cloridrato de glucosamina;
- sulfato de condroitina;
- diacereína.
4. Promover a reabilitação funcional do doente
A OA é uma doença de uma articulação (ou de várias articulações) e como tal não é uma doença sistémica na verdadeira acepção do conceito.
Porém, deverá sempre enquadrar-se a doença articular focal no doente global e procurar a sua reabilitação funcional que incidirá sempre em duas vertentes:
- recuperação funcional local, da articulação envolvida – com exercícios específicos e medidas concretas de MFR;
- reabilitação funcional global, do doente como um todo, enquadrando as suas especificidades patológicas e procurando uma intervenção o mais ajustada possível à sua realidade total.
5. Viscosuplementação
Consiste na introdução intra-articular de uma substância específica, derivada do ácido hialurónico e com propriedades físicas e mecânicas particulares. Esta substância, pelas suas propriedades visco-elásticas e pela sua resistência à degradação, promove uma função de “amortecimento” e lubrificação entre duas superfícies articulares degradadas.
A viscosuplementação, efectuada com diversas substâncias, com demonstrações distintas de eficácia, está indicada para casos evoluídos de OA com destruição estrutural evidente e tem várias potencialidades terapêuticas:
- acção analgésica;
- melhoria da capacidade funcional;
- retardar a evolução estrutural da doença, podendo até conceptualmente ser-lhe associado um papel “condroprotector”;
- permitir gerir o timing cirúrgico, com a melhor qualidade de vida possível.
6. Recorrer à cirurgia sempre que indicado
Existem sobretudo três tipos de cirurgia mais frequentemente indicadas em situações de OA:
- osteotomia de correcção de desalinhamentos do eixo articular;
- artroscopia de diagnóstico e terapêutica, permitindo in loco identificar a causa mais provável de sofrimento articular (lesão condral, sinovite, derrame articular, corpos livres intra-articulares, lesões menisco-ligamentares) e promover a sua correcção cirúrgica;
- prótese total articular – ponderar a sua indicação, mediante a referenciação a consulta de Ortopedia, quando o doente apresentar dor de difícil manejo farmacológico, incapacidade funcional e lesão estrutural evoluída e irreversível.
Dr. Augusto Faustino (Reumatologista, Clínica de Reumatologia de Lisboa, Instituto Português de Reumatologia, Presidente da LPCDR)
Artigo publicado no Boletim nº 44 (Abril a Junho de 2012)