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Luísa Gonçalves

Assumir o comando da minha vida

A vida é uma viagem experimental, feita involuntariamente.
Fernando Pessoa

Luisa GoncalvesTudo começou na minha infância. Por volta dos oito anos de idade, fui internada num hospital devido a purpura reumatóide, problemas de anorexia e dores articulares. Os anos decorreram. Cresci, tornei-me adulta e, sem o saber, trazia, provavelmente, comigo uma doença que viria a revelar-se após o falecimento da minha mãe, há seis anos. Devido ao cortejo sintomático, sempre esteve longe o diagnóstico da doença, apesar dos infindáveis exames e análises feitos ao longo da vida. Foi numa consulta de reumatologia, há cerca de um ano, que o médico diagnosticou uma doença conhecida por Síndrome de Sjögren. Logo se iniciou o tratamento com anti-inflamatórios e corticoides, para além de outra medicação que teria como objetivo o alívio sintomático. A partir de então, na viagem da minha vida tive a companhia de Sjögren.

Eu, como profissional na área de saúde, senti que tudo me escapava, experimentei a solidão, o medo, a angústia, o sofrimento físico e emocional. Acabara de entrar num território, até então, indecifrável para mim. Mas senti, igualmente, que era necessário enfrentar e agir! Para tanto, era urgente expressar as minhas emoções, as minhas preocupações, enriquecer os meus conhecimentos. O reumatologista - profissional competente, seguro e conhecedor - mostrou-se disponível para esclarecer as minhas dúvidas, que eram muitas. Compreender a doença de forma racional permitir-me-ia aceitá-la e enfrentá-la emocionalmente. Afinal, consentir a doença não é um fracasso, mas sim um avanço numa nova direção, fazendo com que esta viagem deixe de ser tão ameaçadora e o território se torne mais previsível, e me sinta mais preparada para aceitar este desafio e assumir o comando da minha vida. Ser profissional na área da saúde tem aspetos positivos, mas também negativos. Se, por um lado, com as pesquisas feitas passei a conhecer melhor esta patologia, para poder compreender melhor aquilo que sentia, por outro, fiquei a saber o que podia acontecer e (con)viver com isso não foi fácil, sabendo que esta doença afeta cada pessoa de forma diferente. Têm sido vários os diagnósticos que me têm acompanhado nesta viagem, desde a osteopenia, passando pela síndrome do cólon irritável, fibromialgia e depressão. Os ataques de espasmos dos vasos sanguíneos, a que chamam de fenómeno de Raynaud, também me têm acompanhado. Os problemas com a tiróide fizeram com que fosse submetida a uma tiroidectomia, há catorze anos. A pele seca e a secura das mucosas têm sido muito notórias. As dores articulares tornaram-se mais frequentes e mais intensas, após o falecimento da minha mãe. A disfunção da articulação temporo-mandibular foi uma realidade nesta dura fase da minha vida em que as emoções estavam à flor da pele. O amadurecimento emocional foi uma parte crucial neste processo de aceitação. Amadurecer implicou tomar consciência da realidade e de mim mesma. Esta consciência foi um passo importante para viabilizar a transformação tão desejada. Sem a consciência não há o que mudar e, para isso, é preciso muita força de vontade.

A minha familiaA cooperação com os profissionais de saúde das várias especialidades que me têm acompanhado tem contribuído muito para que eu possa atingir o meu grande objetivo: - conseguir a melhor qualidade de vida possível, vivendo bem na companhia de Sjögren. Tenho seguido sempre as orientações dadas pelos profissionais de saúde, com disciplina e determinação. Não obstante, é impossível pensar que os médicos têm toda a responsabilidade em relação à minha doença. Eu também tenho um papel preponderante a desempenhar no meu tratamento e isso acarreta alguma mudança. Mudar hábitos não é fácil! É uma tarefa que requer muita persistência, é um desafio em que muito se deve implicar e apostar. Por isso, apostei muito na qualidade da minha alimentação porque percebi que quando comia determinados alimentos ficava com mais dores a nível articular. Tal como disse Hipócrates: “Faça do alimento a sua Medicina e da Medicina o seu alimento”. Pois, foi isso que eu decidi fazer: eliminei alimentos processados, algumas gorduras e refrigerantes. Fiz o mesmo com o leite, por este ser intolerado pelo meu trato gastrointestinal. Eliminei também o trigo e todos os produtos contendo glúten, pois, constatei que quando os comia apareciam sintomas gastrointestinais como dor e distensão abdominal recorrentes. Em resposta à dieta livre de glúten fui melhorando de forma progressiva. Tenho optado por comer menos carnes (vermelhas), privilegiando o consumo de peixe. Eliminei alimentos inúteis e comprovadamente nefastos à minha saúde, dando primazia ao consumo de produtos alimentares frescos e sazonais. Mudei a minha alimentação, é certo! Deixei de comer algumas coisas de que realmente gostava, mas não me custou nada, uma vez que senti necessidade de o fazer a bem da minha saúde.

Os meus filhosNesta viagem de vida, (con)viver com a dor é uma realidade, aprender a dominá-la torna-se imperativo! Aos poucos, os sinais inflamatórios têm vindo a diminuir. Já não faço anti-inflamatórios, nem corticóides. As dores articulares têm estado latentes e tenho conseguido manter a minha atividade física e laboral, embora a fadiga, por vezes, tome conta de mim. Esta fadiga, intensa e sempre invisível, que nunca tinha experimentado antes, é difícil de explicar, é preciso vivenciá-la para conhecê-la. Ao levantar-me todas as manhãs, o corpo parece ter toneladas. A motivação, por vezes inexistente, tem que ser injetada. Tento impedir que ela invada o meu espaço, procurando encontrar o equilíbrio entre o repouso e as atividades tanto de laser como laborais. Conseguir este desiderato tem sido um grande desafio. Aceitar a doença não tem sido simples. Isto não significa ter que desistir das minhas ambições e objetivos. Viver com a doença, foi passar a viver melhor a vida, mais do que viver a própria doença. Este desafio tem permitido fortalecer a minha força de vontade, confiança e capacidade de vencer obstáculos, onde a paciência, a coragem e a perseverança não podem faltar. Ver os resultados do meu esforço tem sido, inegavelmente, satisfatório.

Sei que terei de continuar esta viagem na companhia de Sjögren. Farei tudo para que este seja recorrente e não o ente principal, porque principal será sempre a minha família. É nela que encontro apoio para todos os momentos difíceis, com os quais tenho que lidar. A presença da minha família ajudou-me a amenizar os temores e as inseguranças que eu senti perante uma doença que era, para mim e para os meus, desconhecida. Faz toda a diferença na minha vida, não a doença que tenho, mas sim, a minha família que tem sido o meu porto de abrigo. Sem ela, seria um barco à deriva perdido no meio do oceano.

Famlia - o meu porto de abrigoNo íntimo do meu ser pergunto-me, como irá prosseguir esta viagem? Só o tempo o dirá. Espero que num futuro próximo esta doença possa ser diagnosticada de forma célere, para que este percurso se torne mais ameno e menos penoso. Tenho esperança de que a ciência alargue os seus conhecimentos sobre esta doença e que encontre formas mais específicas e céleres de tratá-la, a bem de todos os que sofrem e anseiam por uma melhor qualidade de vida.

Luísa Gonçalves, 2014
50 anos, Síndrome de Sjögren