Sofia Solinho
Destino alterado
Aos 17 anos, idade com que fui diagnosticada com fibromialgia, tal como a maioria dos adolescentes, colocava a ênfase no futuro, um futuro onde os sonhos se tornam conquistas, onde tudo é permitido exceto sonhos serem apenas sonhos. Até que um dia, sem aviso prévio, o destino troca-nos as voltas. Para mim esse dia foi em 2017, quando descobri a razão de ter dores constantes por todo o corpo, um cansaço sem explicação, falta de sono reparador e uma sensibilidade ao toque enorme. Começou toda uma nova etapa na minha vida e da minha família que sempre me acompanhou. Durante esta mudança contei também com o apoio da minha médica reumatologista.
Mas como é que foi o processo até chegar ao diagnóstico? É o que vou contar de seguida. Desde os 12 anos que vivia com imensas dores no corpo, que chegavam a ser impeditivas para o normal funcionamento do dia a dia. Fui a vários médicos, de várias especialidades e nunca obtive uma resposta, eram “apenas” dores de crescimento ou stress. Com o passar dos anos as dores intensificaram-se até que me foi recomendado ir à médica que hoje me acompanha. Na primeira consulta a médica ouviu as minhas queixas e imediatamente prescreveu-me análises ao sangue, radiografias e TACS, cujos resultados vieram sempre dentro dos padrões normais e esperados.
Foi assim que, após vários meses, chegou o diagnóstico de fibromialgia, através de um diagnóstico diferencial, excluindo hipóteses de outras doenças. Quando recebi a notícia que tinha uma doença crónica, sem cura, senti uma imensidão de sentimentos, mas principalmente a perda de controlo na minha vida. Tudo mudou. Se por um lado, finalmente tinha as respostas que há tanto procurava, por outro enfrentava uma enorme mudança. E assim, começou a jornada pela procura do meu “novo Eu”.
A minha médica, explicou-me não só o tratamento farmacológico que teria de iniciar, mas também outros tratamentos complementares, como psicoterapia, exercício físico e alimentação saudável. Toda a medicação que tomo diariamente e em caso de crise é ajustada às minhas rotinas. Além disso, depois de experimentar uma nova medicação conversamos sempre sobre como me senti e que efeitos produziu no meu corpo.
As consultas têm, por norma, a duração de 40 minutos, onde a base da relação é o respeito, permitindo assim, uma comunicação fluida. A doutora tenta sempre ir de encontro às minhas necessidades presentes, como por exemplo, o cansaço extremo e o stress, que a vida universitária me provoca. Eu sinto me confortável em partilhar as minhas dúvidas e angústias, num espaço sem julgamentos e acima de tudo com empatia. Desde o primeiro dia que a médica reforça a ideia de que todas as perguntas são válidas. A relação paciente-médico que estabelecemos é deveras importante para mim, pois sinto me compreendida e acolhida. A minha mãe acompanha-me sempre às consultas e também comunica com a médica sobre o que perceciona da reação aos vários tratamentos, partilha medos e dúvidas.
Recomendo a todas as pessoas com fibromialgia ou outra doença reumática e/ou músculo-esquelética, que sejam verdadeiros com o vosso médico. No caso de não se sentirem ouvidos e compreendidos, se não gostam de como as consultas decorrem ou o impacto dos tratamentos comuniquem, pois só assim o médico poderá modificar o tratamento. Não importa quantas vezes é necessário ajustar a medicação, a vida modificasse ao longo do seu ciclo, e vários fatores, como stress e ansiedade, influenciam o tratamento.
Desejo que num futuro próximo a comunicação com todos os médicos seja mais semelhante à que eu tenho com a minha. Infelizmente, ainda há muito estigma e preconceito associado a doenças “invisíveis”, mesmo na comunidade médica, e o atendimento nem sempre é satisfatório. Perguntas e expressões como “será que esse diagnóstico não é exagerado?”, “a doença da moda” e “agora qualquer dor é logo fibromialgia” desvalorizam a dor, o cansaço, a fadiga e todos os sintomas que enfrentamos todos os dias. É ofensivo duvidarem de um diagnóstico que tanto demorou a chegar e tanto sofrimento envolveu.
Felizmente, existem associações como a Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas, a APJOF – Associação Portuguesa de Fibromialgia, entre outras, que apoiam os doentes, que proporcionam formações e disponibilizam informações e recursos e ainda promovem a investigação focada nestas temáticas. No meu ponto de vista, os encontros entre doentes que estas associações promovem, presenciais ou online, durante a pandemia, tornaram-se um ponto de encontro onde é possível partilhar ideias, problemas e sentimentos, sem julgamento. Sentimos que pertencemos a uma comunidade unida e a um porto seguro.
Além disto, tenho também o apoio da minha família, que me apoiam incondicionalmente e me permitem ser vulnerável no seu meio. Tal como eu tive de me adaptar a viver numa realidade que não foi a que idealizei, também eles tiveram de se ajustar. Tanto a nível de rotinas, por exemplo, ir à médica de dois em dois meses, como de alimentação e exercício. Teve de haver compreensão entre todos nas tarefas domésticas, porque nem sempre consigo fazê-las todas. A nível monetário, houve também adaptações por causa do tratamento farmacológico, necessário para controlar as dores. Como família conseguimos transformar o diagnóstico inesperado de fibromialgia em força e união.
Termino este ensaio com uma reflexão pessoal. Acredito que quando o destino altera o caminho que tínhamos traçado é porque algo melhor estará à nossa espera. Parece cliché, eu sei, também não percebia como é que as pessoas podiam pensar assim e resignar-se. Mas hoje, percebo que é o contrário, que não se trata de resignação ou aceitação passiva da doença, mas sim de ter coragem para aceitar ativamente o nosso destino com altos e baixos. Nada podemos fazer para deixar o diagnóstico de fibromialgia, estará para sempre connosco, mas podemos transformá-lo em força e perseverança, e assim aprender a (con)viver com a imprevisibilidade inerente à vida humana.
Sofia Solinho, 2022
21 anos, Fibromialgia