"Museu da Dor é inaugurado em Oslo"
Jornal Europa, 2043.10.16
No coração de Oslo, no nº 110 da Rua Kirkegata, inaugura-se hoje o Museu da Dor, espaço que também pode ser visitado virtualmente através do site www.visitworldmuseumofpain.com.org
Hoje, 16 de Outubro, comemora-se o Dia Mundial da Dor, efeméride marcada com várias iniciativas um pouco por todo o mundo, das quais se destaca, pela sua tradição e renome, o Festival de Música Sans Douleur, em Paris, que já vai na sua 30ª edição, regressando à cidade que o viu nascer. Mas é a inauguração do Museu da Dor, em Oslo, que está a suscitar o maior interesse da comunidade internacional.
Num tempo em que a pesquisa científica, a intervenção médica (especialidades, terapêuticas, tratamentos), a participação dos doentes e os movimentos cívicos centrados nos doentes já se encontram tão familiarizados com a Dor, importa agora não esquecê-la nem subestimá-la, afirma Anja Stene, a Directora do Museu que nos concedeu esta entrevista.
De salientar que Anja Stene, é bisneta de Edgar Stene (1919 -1969), fundador da Norsk Revmatiker Forbund, a primeira associação de pessoas com doenças reumáticas. Apesar de fortemente debilitado por uma Espondilite Anquilosante severa, Stene foi um pioneiro na luta pela participação cívica dos doentes e pela cooperação entre médicos, doentes e trabalhadores comunitários, em prol dos seus direitos e da saúde e bem-estar.
(JE) Como surgiu a ideia de criar o Museu da Dor?
(AS) Com uma serenidade contagiante Anja Stene começa por explicar que o projecto nasceu na sequência de um Concurso de Ideias lançado pela EULAR (Liga Europeia contra as Doenças Reumáticas), há cerca de 3 anos, no qual a ideia vencedora propunha precisamente a edificação de um Museu que recuperasse a história da Dor ao longo dos tempos, desde a pesquisa biomédica, à evolução dos meios de diagnóstico e tratamento associados. E que se ocupasse também de conquistas mais recentes como a utilização de terapêutica personalizada e ajustada a cada doente. Enfim, o core do Museu da Dor é promover e disseminar as melhorias estruturais orientadas para a saúde pública e o bem-estar das populações.
(JE) Mas, do que falamos, em concreto? Em que estádio da Dor nos encontramos actualmente?
(AS) Bom… essa pergunta é curiosa, pois temos que reconhecer que, apesar da fantástica evolução científica e médica em torno das doenças reumáticas nas últimas décadas, das redes e plataformas cívicas de doentes e dos programas de saúde pública implementados um pouco por todo o mundo, 20% da população activa na Europa ainda sofre, hoje, com lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho, a par com os EUA, onde as doenças reumáticas são responsáveis por 30% das causas de incapacidade física.
(JE) Apesar de todas essas medidas, por que é que ainda não se conseguiu reduzir o impacto socioeconómico das doenças associadas à Dor?
(AS) Curiosamente, a questão deverá ser colocada ao contrário… (risos)…O que estes números vêm demonstrar é que a produtividade não existe sem que a capacidade de trabalho, a qualidade de vida, de saúde e o bem-estar estejam assegurados. Finalmente, o mundo está a consolidar a mudança de paradigma! Apesar do muito que há a fazer, estamos conscientes, hoje, que os benefícios da intervenção na prevenção e na “saúde social” (pessoal, social e profissional) são maiores do que a orientação economicista centrada apenas nos custos globais associados, que são obviamente avultados. E é pela prevenção e capacitação que temos que continuar a seguir…
(JE) Então podemos dizer que o Museu da Dor pretende desassossegar o visitante?
(AS) Sim, sem dúvida. Quando aceitei liderar este projecto, pensámos num Museu que fosse mais do que um mero espaço de exposições. Neste Museu não há lugar para a acomodação. Ao relembrar que a dor crónica sempre existiu e existe queremos que o visitante reflicta sobre o seu impacto, se envolva, participe e intervenha na protecção dos direitos dos doentes e na promoção da sua qualidade de vida.
(JE) Como é possível conquistar o público e apresentar a dor de forma apelativa?
(AS) Essa é uma questão interessante. O Museu foi pensado por uma equipa multidisciplinar que envolveu arquitectos, profissionais da saúde, da comunicação e do marketing, antropólogos e psicólogos para ser plural na sua abordagem. Foi por isso desenhado com diferentes percursos que convergem e culminam no centro do átrio principal. Um percorre toda a evolução científica e médica, outro assenta em histórias de vida, rostos e relatos de todos aqueles que conviveram com a dor. Outro ainda perspectiva o futuro da prevenção da Dor e o seu impacto a nível mundial. No centro vamos encontrar um espaço multi-sensorial, aberto, onde os percursos se cruzam e as emoções e as sensações do passado, do presente e do futuro se (re)encontram e onde as vivências são sublimadas.
(JE) Quer dizer que cada visita é uma experiência singular?
(AS) Sim. Há lugar para várias dimensões e realidades quando se trata da Dor, e apesar de tudo se passar num único espaço museológico, queremo-lo sustentável, centrado nas pessoas. Neste sentido, o museu simboliza ao mesmo tempo, a diversidade, o desenvolvimento e evolução, a capacitação e a resiliência…aliás, como a própria Dor. Por isso cada visitante recebe um passaporte, no qual são carimbadas as diferentes experiências que mais o marcaram…
(JE) Um passaporte?
(AS) (risos)…Sim, aproveito para lhe dar o seu. Ficamos à sua espera!
Catarina Marques
Osteoartrose
Texto candidato ao Prémio Edgar Stene 2014