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Maria José Castro

Assumir o comando da minha vida: cooperar com os profissionais de Saúde para alcançar os meus objectivos

Um momento de descanso num passeio por LisboaMergulho em reflexão sobre a minha vida: vejo o passado, os anos do pré diagnóstico da doença, e, curiosamente, sinto até um carinho por este alerta que o meu corpo encontrou para me fazer pensar mais em mim. Se não tivesse sido ele a assumir as rédeas do meu caminho, empurrando-me para uma cama – sem mobilidade e carregada de dores – num KO técnico definindo o final do combate, eu continuaria a guerra muda com o desassossego das crises de fibromialgia. Combatia sem conhecer o inimigo – numa luta desigual, insustentável –, perdia sempre as batalhas e abeirava-me do caos.
Mas, qual filme com uma feliz reviravolta, entraram na minha vida o reumatologista, o fisiatra, o fisioterapeuta: diagnosticaram, medicaram, exercitaram músculos decadentes, deram conselhos. Foram os meus treinadores (e não foram de bancada!) apresentando-me a doença, ensinando-me formas assertivas da defesa que seria a melhor forma de ataque.
Por isso agradeço ao meu corpo esta intervenção, drástica mas eficaz, que me levou até aos profissionais de saúde que me lembraram o que eu tinha esquecido: a importância de dedicarmos a nossa vida ao essencial e varrermos para o lixo o acessório, de praticarmos exercício físico, de nos dedicarmos a actividades lúdicas, de arranjar espaço para a descontração e meditação. O nosso corpo é o nosso melhor amigo: dá-nos sinais de crise quando o equilíbrio ameaça a ruptura. E nós, com ingratidão, desvalorizamos as instruções.
Sem receio de parecer incoerente digo que ganhei qualidade de vida com o diagnóstico da doença: porque ela já cá andava, há muito tempo, passeando-se por mim como um fantasma que assusta, faz sofrer, mas não dá a cara. Agora quero, e posso, enfrentá-la, saber tudo o que há para saber sobre ela, descobrindo-lhe os pontos fracos para os usar como meus pontos fortes.
A doença não partiu mas as estratégias para a derrotar acompanham-me e instigam-me a persistir na batalha pelo comando da minha própria vida.
É verdade que demorei o meu tempo a metamorfosear os meus hábitos e a encontrar substitutos adequados (ou doses certas) para aquilo que gostava mas não podia fazer como antes (já não podia dançar uma noite inteira: mas podia fazê-lo moderadamente e com intervalos de descanso; tive de deixar as caminhadas horas a fio: mas conseguia caminhar parando regularmente – e chegar ao mesmo local!).
Selfie com amigas  - Rock in Rio Lisboa 2014As ajudas e os esclarecimentos foram preciosos: do fisiatra, do reumatologista, do acupunctor. Hoje, tenho objectivos reformulados: talvez menos ambiciosos, mas exequíveis (por exemplo: acompanhar os meus alunos durante todo um ano lectivo, sem uma única ausência, é uma vitória!).
No entanto, muitas têm sido as opções que me tenho visto impelida a tomar para conciliar o tempo, o orçamento familiar, a vida profissional e pessoal. As medicinas alternativas, a natação ou o Pilates, que complementam a terapia química e a fisioterapia, implicam custos a suportar pelo doente (tanto dos que fazem parte do Serviço Nacional de Saúde como dos que despendem uma quantia exorbitante no pagamento de um seguro de saúde),e assim há que escolher: prescindir de férias, reduzir saídas e, obrigatoriamente, diminuir o bem-estar psíquico e social. O verdadeiro equilíbrio torna-se inalcançável.
Se acedermos aos variados grupos existentes nas redes sociais, e acompanharmos os diálogos entre doentes, descobriremos uma miríade de problemas encobertos em desabafos, numa miscelânea de sentimentos. Por aqui o suporte é feito por pares que aconselham, com base na sua experiência, e muitas vezes recebem as respostas: - Eu não suporto economicamente esses tratamentos; - Eu não tenho disponibilidade profissional para praticar exercício.
Conforme estudos já elaborados sobre a importância dos blogues na ajuda mútua dos doentes oncológicos parece-me que, também a nível das doenças músculo-esqueléticas, esta via poderia ser fundamental para muitas pessoas.
O fácil acesso e o uso, cada vez mais disseminado, das tecnologias da informação podem fazer a diferença entre a sensação de ilha, que o doente tende a incorporar, e a inserção num grupo que partilha os mesmos males.
Muitos doentes passam os seus dias isolados em casa: porque estão em plena crise, porque estão desempregados ou porque, simplesmente, nunca abraçaram uma profissão. Nos grupos assistimos, frequentemente, a apelos desesperados de ajuda no esclarecimento de dúvidas, a desabafos, a solicitações sobre que médicos consultar e, até, às designações dos medicamentos mais eficazes. Se muitos têm noção de que a automedicação não é solução, e é completamente desaconselhada, outros dão dicas, “prescrevem”, enfim… consultam.
E a ideia surgiu-me: criação de grupos, com supervisão de profissionais de saúde que, embora não substituam a consulta médica – como é óbvio! – possam esclarecer os doentes nas suas dúvidas e sugerir-lhes actividades adicionais.
Um amigo muito especialImaginei turmas (à semelhança do que acontece em Portugal com as Universidades Seniores) em que todos os dias se debatesse uma temática diferente. Pelas visitas que tenho feito a alguns destes grupos encontro ali muitos detentores de conhecimentos especializados, desperdiçados naqueles diálogos sem orientação – muitas vezes reduzidos a queixumes. O emprego nem sempre permite uma adequação às necessidades dos doentes – as doenças sem rosto são traiçoeiras, a legislação é escassa e os empregadores, muitas vezes e impunemente, ignoram-na –; os médicos nem sempre têm tempo para nos ouvir com calma (as lamúrias, por vezes, repetidas) sem olhar o monitor do portátil, sem tirar apontamentos, sem dar espreitadelas ao relógio; a própria família e amigos, têm períodos, em que esgotam a benevolência e se cansam de lamentos. Se nestes espaços encontramos advogados, psicólogos, desportistas ou simplesmente pessoas de boa vontade com força para ajudar, então cada um poderia partilhar saberes e receber conhecimentos. Seria um espaço a muitas vozes, um encontro virtual de ajuda mútua onde cada dia fosse abordada uma diferente temática (abrangendo áreas de interesse/necessidade dos doentes: não só exercícios aconselhados e esclarecimentos por médicos mas também desafios de escrita, leitura, desenho ou culinária). Onde algumas vidas pudessem, quem sabe, ganhar sentido. Se em qualquer doença é fundamental a disponibilidade de um médico para ouvir o doente penso que no âmbito destas enfermidades essa oportunidade pode ditar a diferença na evolução da situação. É que, na maioria das vezes, temos uma sociedade a dar-nos poucos créditos, uma família atarefada e somos brindados em abundância com palavras que doem mais que as próprias dores. Por tudo isto eu defendo, para além do aumento do apoio institucional, a rentabilização das redes sociais no apoio ao doente.

Maria José Castro, 2014
54 anos, Fibromialgia