Florbela Batalha
Verdade e consequência.
Começo a escrever, experienciando de imediato a necessidade de perfeição e, ao mesmo tempo ouço baixinho as palavras do meu médico : - os elevados graus de exigência e perfeição que impregna em tudo o que faz, pensa ou realiza, são duas das condições que precisam ser eliminadas da sua vida:
- Sinta leve, veja a beleza, seja gentil consigo.
Sou a Florbela, à qual foi diagnosticada Fibromialgia.
No ano de 2020, a notícia chegava , não sem antes vaguear errantemente pelos lençóis da minha cama aos quais fiquei presa durante um período de 3 semanas. E mais não conto, acho que qualquer um consegue imaginar a catarse necessária para sobreviver a uma vida de trabalho e responsabilidades diária de 12 a 15 horas para um retângulo, dentro de um retângulo chamado quarto, onde a fronteira entre a dor física e emocional é tão ténue que se confundem.
A Catarse, foi lenta, dolorosa, aflitiva e deu medo, muito medo.
Tomei consciência, através do meu médico da única forma de minimizar e quiçá ultrapassar o cenário de dor insuportavelmente permanente:
- Mudar, mudar tudo, de dentro para fora.
Aprendi a aceitar colo, quando perdi todos os colos.
Aprendi a amar-me quando todos se foram embora.
Fiquei eu e o médico.
E se o amor não é cola, não sei o que será então. Não estou a falar do amor romântico, falo do amor magnético entre duas pessoas, no caso entre o paciente e o médico.
Emociono-me sempre, quando recordo os abraços sem braços que me deu e que me aliviavam as dores dilacerantes.
Colo(cámo-nos) ao centro, encontrámos o ponto comum da compreensão, a isto chamo uma boa comunicação. E acredito que foi a partir daqui que comecei a preparar o salto para uma vida com maior qualidade.
Sem vergonha, me expus ao meu médico e deixei que ele assistisse a todas as minhas fragilidades, entre nós não existem temas tabu nem julgamento. Acolheu-me.
Acolher é por certo o verbo, que muitas vezes falta na relação médico/paciente.
Tal como a dor não se mede, também a dimensão do acolhimento é difícil de quantificar, até porque para mim é de um tamanho, para ti que me lês é outro.
Somos assim, diferentes e imperfeitos .
Será, esta a dimensão que falta na relação que acontece diariamente nos consultórios.
Não sou apenas mais um, sou eu a Florbela com todas as suas histórias e imperfeições.
Na verdade sou uma mera aprendiz da vida, mas se tivesse que deixar um conselho para quem vive, no caso, as doenças reumáticas, deixaria uma frase que me marcou profundamente:
Tudo o que a alma não expressa o corpo imprime.
Uma dimensão holística do ser, é na minha opinião, aquilo que pode fazer a diferença na vida de cada um de nós, doentes reumáticos. E, não, não estou a falar de fazer retiros em Bali, ou trocar uma férias na praia por uma ida ao Tibete.
Falo de consciência.
Esta é a segunda palavra que destacaria no processo da doença e no seu tratamento, onde se inclui aquilo que se comunica e como, a verdade na relação com o médico.
A consciência de quem se é, sem medo, sem tabus e o acolhimento que nos é devolvido, pode gelar ou “colar” o processo. Porque em boa verdade, casa um de nós é único e muitas vezes, não somos reconhecidos assim pelo médico e, muitas outras por nós próprios.
Observar o paciente, em vez de o olhar e encaminhá-lo também nesse sentido de aproximação ao centro da doença que é sua e por conseguinte igualmente única.
Observar.
É o último verbo que deixo para reflexão, em primeiro lugar minha, porque é de dentro para fora que o mundo gira e nós temos de compreender o movimento e fluir com ele, e é ténue a linha que nos separa do mundo antes e depois da doença e ao mesmo tempo um ponto de não retorno. Ninguém sai de lá a mesma pessoa.
É um processo intenso, que ninguém precisa fazer sozinho. O médico, pode aqui ser a chave e eu sou grata , muito grata ao meu.
- E tempo para isso?
Estarão certamente a perguntar, por esta altura.
O Tempo é aquilo que fazemos dele e com ele.
Escolhas, portanto!
Florbela Batalha, 2022
55 anos, Fibromialgia