Maria de Lurdes Silva
A vida com 3 P´s: Paciência, Permanecer e Persistir
A minha doença foi diagnosticada muito tarde, por volta dos 45 anos de idade. Tinha muitas dores que não sabía o porquê, procurei várias vezes o médico de família até chegar ao limite em que paralisei completamente. Não era dessa forma que tinha desenhado a minha vida e acredito que Deus também não. Cheguei ao ponto de ficar dependente dos outros, até para satisfazer as necessidades básicas.
Certo dia, a minha sobrinha apareceu em minha casa, estava deitada no chão com imensas dores, e a primeira coisa que ela disse foi: - Isso é artrite! O meu avô teve os mesmos sintomas. Na verdade, ela tinha razão. Após, ter insistido várias vezes com o meu médico de família para fazer análises e ter referido que uma pessoa de família teve os mesmos sintomas, ele finalmente decidiu e marcou-me análises específicas e exames. Quando os resultados chegaram, mandou-me com urgência para o Hospital dos Covões, em Coimbra. Aí percebi que a situação era crítica, pois o médico que me atendeu perguntou por onde é que eu tinha andado, para a doença estar numa fase tão avançada. Eu respondi em jeito de brincadeira e com um certo nervosismo: - vim a coxear, demorei mais tempo! - Tinha passado tantos anos e eu a viver uma situação que podia ter sido diagnosticada numa fase inicial! A doença acabou por ser camuflada com analgésicos, entre outros medicamentos específicos para controlar a doença, que faziam atenuar as dores. A partir daí comecei a tomar nova medicação, obviamente forte, entre cortisona acompanhada com outros medicamentos, e melhorei ligeiramente. Demorou algum tempo, até me habituar a lidar com a situação, a aceitar melhor os erros que o ser humano pode cometer e a prezar melhor a minha paciência e persistência.
Nessa altura, trabalhava nos Serviços Sociais de Acção Social do Instituto Politécnico de Coimbra, como auxiliar de limpeza e manutenção das instalações, quando a doença se manifestou. Trabalhei com uma equipa maravilhosa, um chefe compreensivo e colegas solidários, pois não permitiam que executasse as tarefas com qualquer tipo de carga. O ambiente de trabalho era agradável, harmonioso, todos nos dávamos bem. Eles motivavam-me encorajavam-me quando se apercebiam que estava mais frágil e desanimada. Sempre fui tratada com muito carinho, admiração e reconhecimento. Era uma mulher muito dinâmica, estava sempre em constante movimento. Não conseguia estar parada nas minhas tarefas quando haviam afazeres a cumprir.
Nas instalações funcionava uma clínica com várias especialidades, onde tive o privilégio de ter acesso a tratamentos de acupunctura no sentido de atenuar as dores. O meu chefe fazia questão que fosse, pois dizia-me muita vez - Dona Lurdes, vá! Mal não faz. Pelo menos relaxa e descontrai e depois volta a regressar às tarefas com calma.
- Ele referia “calma” porque eu queria sempre fazer as minhas empreitadas. Às vezes não era fácil, mas a minha perseverança puxava por mim. Acabei por admirar muito a sua atitude, como chefe e ser humano, sentia que ele se preocupava com o bem-estar físico e psicológico de todos os colaboradores.
Apesar das dificuldades terem aumentado, o meu posto de trabalho nunca foi colocado em causa, pelo contrário, o meu chefe e colegas faziam sempre tudo para eu me sentir bem. Fui uma sortuda, pois sei que nem todos os chefes/entidades empregadoras entendem a doença, arranjando logo maneira de as substituir, porque já não dão o rendimento necessário. Somos seres humanos e como tal tempos o direito de sermos compreendidos e reconhecidos no nosso posto de trabalho pelo que somos, ajustando assim as funções a tipo de problema.Entretanto a doença agravou-se e as capacidades motoras foram diminuindo, tendo sido mais tarde submetida a uma junta médica que avaliou a minha situação, dando origem à minha aposentação por invalidez.
A partir daí o meu estado emocional ficou mais frágil, pelo facto de não estar no activo e com os meus colegas de trabalho. Apesar de que, em casa, os meus familiares e amigos apoiaram-me muito a todos os níveis confortando-me com palavras e abraços.
Embora as dificuldades físicas sejam maiores, considero-me uma pessoa corajosa, cheia de força e determinação para poder orientar as lidas domésticas e lidar com duas pessoas doentes: o meu marido, doente oncológico e o meu filho mais velho com uma depressão, que o levou à separação e que agora está em minha casa. Dou-lhe amor e força para continuar a viver o seu dia-a-dia da melhor forma.
Algum tempo atrás decidi recorrer à ginástica, adequada ao meu problema, exercitando as articulações. Acima de tudo o convívio ajuda-me a preencher o meu dia, sentindo-me com mais energia e boa disposição. As minhas amigas não sabem onde consigo tanta força para levar a minha cruz ao calvário. (risos)
Outra das minhas terapias são as orações, ajudam-me a tranquilizar, a ganhar força, a encarar a vida com paciência e a aceitar todas as situações menos agradáveis que nos surgem. O que me ajuda também a passar o tempo e a descontrair, apesar das dores e limitações físicas é cuidar de alguns animais (frangos, patos, galinhas e pombos).
Tento “agarrar” todos os momentos e aproveitar intensamente a vida, não perco a oportunidade de aceitar um convite para dar um passeio, beber um cafezinho, um geladinho ou até mesmo uma cervejinha numa esplanada em boa companhia.
Ao fim de semana aguardo os meus dois outros filhos com muita alegria e prazer, é sem dúvida um carregar de baterias, pois eles vêm sempre bem-dispostos transmitindo-me boas energias. Fazemos jogos interactivos, conversamos e rimos, sempre num ambiente caloroso. É como um jardim com flores. E por falar em flores, elas fazem parte da minha vida, pois tenho um pequeno quintal onde tenho árvores de fruto, uma pequena horta, onde às vezes dou por mim a falar com a própria natureza, isto dá-me VIDA! Gosto de me sentar no meio da natureza, respirá-la e abraçá-la como quem chama por mim e sentir a força dela para continuar a seguir em frente.
Para finalizar gostaria de deixar duas mensagens para as pessoas com DRME e para todos os empregadores de todo o mundo. Para quem tem esta doença, aceitem os desafios que vos aparecem e tenham força mental para seguir em frente. Não desistam de contornar os obstáculos, pois “são dadas as mais difíceis batalhas aos seus melhores soldados”.
Para os empregadores/chefes, quando começarem a ver as “dobradiças a “rangerem” não as substituam e dêem-lhes sim o óleo necessário para continuar a manter a sua função.
Nem sempre o novo saudável atinge o que o coxo sábio consegue.
Maria de Lurdes Grácia da Silva, 2018
68 anos, Artrite
Gosto de estar com pessoas que me transmitam boas energias, estar em contacto com a natureza, ler, entre outros... Pretendo deixar uma mensagem de esperança e mudança às pessoas com DRME e a todos os empregadores.