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Paula Calado

Viver além da esclerose sistémica, em prol da minha vida

A minha vida foi traçada por excessos; viver nos limites emocional e profissionalmente. Sou uma mulher feliz pois tenho vivido a vida como me dá "na real gana". Porém toda a felicidade nos traz momentos de profunda infelicidade. Toda esta Paula Caladointensidade camuflou indícios de que qualquer coisa não estava bem, mas que cataloguei como "normal", pelo menos para mim, argumento que poderia ser tão simplesmente "um defeito de fabrico". Mas o ordinário passou a extraordinário e a necessidade de perceber o que estava a funcionar mal levou à procura de ajuda médica. Após alguns anos de pesquisa e exames de toda a maneira e feitio, o diagnóstico foi-se esboçando, uma vez que os inúmeros efeitos foram surgindo a um ritmo galopante. Até que um dia recebo o diagnóstico que me fez parar por um momento: 1º troboembolismopulmonar (TEP); depois na origem da mesma, uma Esclerose Sistémica (ES), mas que até não era a pior (como se isso fosse um consolo).
Por uma fracção de tempo, o mundo para mim parou. Eu tinha que pensar, localizar onde estava a dita ES ou onde estava eu! - "De quem terá sido esta escolha? Minha ou dela?"
Então tomei a decisão: -" Vou reverter. Está decidido!"
Núcleo de Esclerodermia na Corrida MOVER - 16 Outubro 2016Toca de pesquisar, de compreender, aceitar e tomar medidas para colmatar as lacunas que me trouxeram a este encontro. Fui apanhada a conviver e coabitar com esta Senhora! Sim é uma Senhora, pois tem autonomia e autoridade.
- "Mas será que tem?" Questiono de novo. E reflito sobre o facto de não querer ser doente mas saber que tenho uma doença. Aqui reside a diferença da propriedade. -"Sou eu que tenho a doença ou é a doença que me tem a mim?!"
Por instantes questionamos o que nos trouxe a cada momento da nossa vida e percebemos que as nossas escolhas acabam por ir ao encontro das nossas necessidades, pois temos sempre uma alternativa. Para mim o mais difícil foi perceber que tenho limites, habituada que estou a excedê-los continuamente, o corpo obrigar-me a parar para que supere e sobreviva à minha ES. Assim, vi-me na obrigação reformular o meu dia-a-dia, encontrar alternativas que me permitam cumprir as minhas tarefas e ser feliz, mas que respeitem os limites do meu corpo, que descobri existirem. Decidi também recuperar a posse desse mesmo corpo que assumi como pertença minha. Surpreendentemente percebi que é possível! Arranjei tempo para mim e para me tratar convenientemente, sem abdicar de cumprir as minhas funções e até conseguir viver o meu atribulado dia-a-dia, pois sem caos não há ordem, a entropia, e sem caos não há energia, a entalpia. Apenas temos que aprender a gerir este equilíbrio.
Aula de PilatesPara as minhas cedências físicas encontrei o pilates e o yoga a quem entreguei a tarefa de me ajudarem a reaver a posse do controlo e equilíbrio físico. Mas o corpo teima em ceder. Com um estômago cada dia mais debilitado, deparou-se-me mais um desafio, para o qual encontrei solução na alimentação macrobiótica. No entusiasmo de encontrar soluções, aprendo a gerir o pior de todos: o cansaço do mundo. Porém percebi que com o restante equilibrado, também o cansaço fica controlado.
Este labirinto, insistente e interminável, que me leva numa procura constante de soluções, aliado à pesquisa e acompanhamento de todas as novas descobertas científicas que me podem ajudar a compreender, conhecer a minha doença auto-imune (e para a qual tenho que estar atenta de forma a encontrar o enquadramento no qual possa estar integrada), acabou por acrescentar uma mais-valia à minha vida. Reencontrei em mim uma nova utilidade que me dispus a usufruir.
Eu, o  João, o Robin, a Raquel e o Bruno (alunos)Também, o facto de pensar que à luz do meu entendimento sobre a doença poderei melhorar a vida de outras pessoas com esta e/ou outras patologias, inspiram-me aqui a partilhar o meu olhar, firmado na minha realidade. Entendo que somos o principal corresponsável pela e da nossa doença e, antes de qualquer equipa médica e terapêutica, cabe a cada um de nós identificar cada sintoma, cada possibilidade aliada à investigação científica. É nossa obrigação envolvermo-nos no tratamento, na procura da cura. Não aceito uma terapêutica química cuja função é somente camuflar os sintomas associados à doença. Eu cumpro uma terapêutica, Com alguns dos meus alunos - Natal 2016que seja necessária e que coíba um avanço de qualquer patologia existente, nova patologia e/ou tratamento da doença. Eu quero no máximo "compartilhar" parte do meu corpo e a minha vida com a ES, nunca entregar-lhe tudo o que sou.
Nasci livre, nasci para ser feliz. Nasci em terras africanas, onde somos o que queremos ser, pois ser é um estado de espírito. Nascemos com o sol, o maravilhoso cheiro de terra e deitamo-nos com o luar. Não entrego a minha alma e a minha vida ao invisível, infortúnio de se ser um mal-amado, como é esta dita ES.
Tive a felicidade de viver um tempo de incríveis mudanças, vi nascer a televisão, o telemóvel, a internet e a ciência evoluir numas míseras décadas que voaram e que rapidamente nos trouxeram ao séc. XXI onde milagres são realizados pela ciência. Por isso, sou uma mulher de fé. E acredito que haverá muito rapidamente cura para as doenças auto-imunes, mas também entendo que sem mudança de comportamentos estas mesmas doenças vão persistir. Como o próprio nome indica são auto-imunes e, quer queiramos quer não, somos os primeiros responsáveis por quem vive Com o meu filho - Natal 2015dentro de nós. Nasci livre e feliz, pronta para viver uma vida intensa e tenciono morrer livre e ainda mais feliz, pois pretendo cumprir a minha missão e, ainda acredito poder mudar o mundo…pelo menos consegui trazer até ao presente a alma que nasceu comigo, apesar de tão atribulada viagem no tempo.
Agradecimentos:
Quero agradecer à equipa médica que me tem acompanhado começando com a Dra. Maria de Lurdes Ferreira (do meu centro de saúde - Sobreda) que me encaminhou para medicina interna em 2005, para que pudesse ser realizado uma pesquisa adequada do resultado exorbitante da análise da ANA, que não era confirmada com mais nenhum dos candidatos possíveis. No Hospital Garcia de Orta em Almada, ao Dr. Tiago Judas, de medicina interna, a quem agradeço a insistência na realização de todos os exames e que provavelmente, é responsável por estar viva, pois foi num ato de realização de mais uns exames para descartar o improvável, (mas que poderia justificar o meu cansaço), se descobre a TEP numa cintigrafia pulmonar em 2014. Agradeço à Dra. Sandra Sousa, de reumatologia e à Dra. Melanie Ferreira de medicina interna que me acompanham desde 2014 ao presente e que trabalham em equipa e dedicação pelos seus doentes.

Paula Calado, 2016
49 anos, Esclerose Sistémica